
O Homem Pensa, O Software Controla, a Máquina Opera!
Marítimo23 Outubro, 2017Comentários fechados em O Homem Pensa, O Software Controla, a Máquina Opera!872A era da automação irrompeu pela cena marítimo-portuária com a promessa de revolucionar, de fio a pavio, o fenómeno do transporte de mercadorias e da logística – à medida que a tecnologia de ponta encontrava soluções, agilizando processos e simplificando tramitações ao longo da cadeia de abastecimento, outras interrogações foram brotando, nascidas do mesmo ventre que havia dado à luz o advento digital da automação nos terminais de todo o mundo: afinal, como se conciliará o incompassivo e imparável progresso robótico com a utilidade sócio-económica do labor humano? Será o investimento na automação portuária uma aposta global de sucesso garantido ou o risco terá de ser alvo de constantes avaliações, tendo em conta os diferentes contextos e a flutuação de um mercado em sucessiva consolidação?

O Terminal Maaslavkt II entrou em funcionamento em 2013
Apesar das dúvidas, não há como não contemplar, com inerte admiração, o veloz admirável mundo novo que se ergue perante nós. A entrada em funcionamento do majestático (e totalmente automatizado) terminal Maasvlakte II, no Porto de Roterdão, em 2013, veio coroar a rápida ascensão do novo paradigma, já adoptado também por infra-estruturas de todo o mundo: na Europa, onde predomina a automação baseada nos guindastes automáticos de empilhamento (Automatic Stacking Cranes) e a maximização do transporte horizontal, infra-estruturas como o Euromax Terminal (nos Países Baixos), o DPW Antwerp Gateway Terminal (na Bélgica), os Container Terminal Altenwerder e Burchardkai (ambos no porto alemão de Hamburgo) ou o TTI Algeciras (em Espanha) vão dando cartas como cobaias de uma experiência bem sucedida; na Ásia, plataformas como o Pusan Newport (na Coreia do Sul), o Hong Kong International Terminal (China) ou o Kaohsiung Evergreen Terminal (em Taiwan) provam a eficiência das massivas Cantilevers RMG que deslizam pelos cais orientais, transportando elevados volumes de contentores; na América do Norte, foi o Terminal de Norfolk (Virgínia, EUA) a dar o mote para o investimento na automação portuária, seguido primeiramente pelos portos de Long Beach, Nova Iorque e Nova Jérsia.
Com a introdução dos guindastes Ship-to-shore operados por controlo remoto, veículos automatizados (orientados por navegação a laser e sem recurso a condutor), transtainers (guindaste pórtico RTG, que, no terminal japonês de Tobishima, é já totalmente autómato) e autostrads, os portos do futuro ganham forma no presente, aliando o incansável esforço da maquinaria à cerebralização operacional dos novos softwares de gestão. A sistematização funcional destes ‘portos inteligentes’ permite às máquinas – recorrendo a controlos por GPS, scanner e infra-vermelhos – detectarem o posicionamento dos contentores e posteriormente deslocarem-nos de e para os veículos autómatos – uma mais-valia que abre a possibilidade, a terminais como o de Qingdao New Qianwan, operar na escuridão da noite e assim cortar 70% dos custos operacionais e obter ganhos de eficiência na ordem dos 30%.
Corrida à automação: sobrevivência de uns, morte de outros
Na base da migração para a automação está, fundamentalmente, a necessidade global de uma eficiência e celeridade cada vez mais competitivas. Com o ceptro do reino dos mares a pertencer aos mega-navios ULCV, o desenvolvimento dos ‘portos inteligentes’ torna-se condição imperativa para que a indústria – em fase de consolidação total – dê o passo que tanto ambiciona: movimentar maiores volumes de TEU’s em reduzidos tempos de trânsito, com custos menores e uma eficiência operacional ininterrupta mesmo perante picos de carga cada vez mais frenéticos.

Entrada ao serviço de navios cada vez maiores está a pressionar a dinamização dos terminais.
O crescente aumento de capacidade dos porta-contentores pressiona a dinamização dos terminais, obrigando-os a dar um salto infra-estrutural e a apostar na automação para acompanhar o nível de exigência das companhias marítimas. Se os terminais mais preponderantes sentiram a urgência de subir de patamar em termos de produtividade, também os mais pequenos, devido ao ‘efeito cascata’, estão forçados a apetrecharem-se, na tentativa de captarem os tráfegos dos porta-contentores deslocados pelas operadoras para as rotas secundárias. Esta luta pelo tráfego dificilmente será ganha sem que a vertente tecnológicatome conta das operações nos terminais – a empreitada comporta múltiplas dificuldades, como oportunamente enumerou, no evento TOC Europe 2015, Alex Duca, chefe do departamento de Design da APM Terminals: «os cinco maiores desafios que a indústria portuária enfrentará serão a segurança, o aumento da complexidade operacional devido às crescentes dimensões dos navios, a gestão dos riscos inerentes à congestão, a manutenção da saúde económica apesar dos ciclos das operadoras e o fazer mais com menos espaço».
Em todos esses desafios elencados por Alex Duca, a automação poderá ser um trunfo, defende Thomas Gylling, líder do departamento de Automação Global na empresa finlandesa Konecranes Port Cranes: «À medida que os porta-contentores aumentam de tamanho, os sistemas de manuseio de contentores terão de se tornar mais eficientes. A automação oferece um desempenho de manipulação de contentor mais estável e uma maior previsibilidade, já que o comportamento do equipamento de movimentação de contentores é controlado por um computador. Isso permite um planeamento e execução mais precisos, factor primordial no atendimento de embarcações de grandes dimensões», explicou, em entrevista concedida, em Abril de 2016, ao portal ‘Maritime News’.
Considerando esta uma tendência ainda por consolidar a nível mundial, Thomas Gylling acredita que o potencial da automação portuária está, em grande parte, ainda por implementar: «O sector portuário está, em comparação com outras indústrias, como a manufacturação, ainda no início da era da Automação. Nos dias de hoje, apenas 1,5% dos terminais são automatizados, um número bastante modesto considerando o facto da era da automação na movimentação de carga contentorizada ter começado no terminal ECT Delta em 1993», relembrou, deixando uma certeza – «A automação é uma mega-tendência que continuará a crescer, e não ficarei surpreso se o ritmo persistir, já que novas opções de automação não param de surgir», finalizou.
Mas para Antti Kaunonen, presidente da Kalmar, o desenvolvimento extremo da automação portuária no segmento contentorizado não deverá ser uma solução «one size fits all», já que as especificidades estruturais de cada terminal, o contexto comercial onde está inserido e a capacidade financeira de que dispõe, deverão ser as primeiras linhas de orientação num mercado cada vez mais impiedoso e agressivo: «Não faz qualquer sentido económico que todos os operadores de terminais atinjam a fasquia da automação total», começou por dizer Kaunonen à publicação ‘Port Technology’, durante a última edição do TOC Europe.
Aludindo à agressividade com que a corrida dos terminais à automação se tem feito nos últimos anos, o presidente da empresa sueca retratou a situação de muitos terminais que subsistem sem a tecnologia de ponta perante o investimento da concorrência: «Se pensarmos nos portos que não são automatizados, estes têm apenas uma decisão a tomar – investem ou fecham?». E se muitos terminais irão certamente perecer face a este factor concorrencial cada vez mais sufocante, os que possuírem estofo económico-financeiro para subsistir, aumentarão os seus gastos para ganhar terreno à competição: «Os investimentos no manuseio de contentores continuarão, apesar das cíclicas diminuições no tráfego contentorizado», comentou Thomas Gylling, prevendo a manutenção de um «cenário competitivo difícil» – «os portos precisam de se desenvolver constantemente e investigar novas tecnologias e conceitos para se manterem competitivos», concluiu, antecipando também um provável quadro de consolidação ao nível dos terminais.
Como conciliar a automação e a vertente humana?
Uma das grandes interrogações sobre a crescente automação (não só nas infra-estruturas portuárias como em grande parte das áreas laborais) continua a ser o factor humano, que, naturalmente, se entrelaça com a vertente sócio-económica de cada país: maior automação significa, na maioria dos casos, maior desemprego e, como consequência directa, menores receitas fiscais e maiores custos estatais com subsídios de auxílio aos despojados trabalhadores. Sobrepor-se-ão os ganhos de competitividade – da automação – às potenciais perdas para os cofres do Estado? A questão não tem ainda resposta cabal mas, desde a automação dos terminais, passando pelo imparável avanço de projectos relativos a navios, aviões e camiões autónomos, a verdade é que a inexorável coroação da robotização como paradigma do transporte de mercadorias e da logística aproxima-se a passos largos. O que fazer com toda a massa humana que se tornará obsoleta perante a eficácia, eficiência e fiabilidade da mais dispendiosa e moderna tecnologia? Sobre o tema, o presidente do Instituto Superior Técnico, cientista e investigador da inteligência artificial, Arlindo Oliveira, partilha a sua visão com o jornal Diário de Notícias: «Sou da opinião de que a inteligência artificial e a tecnologia em geral vão eliminar muito mais empregos do que os que vão criar. Não tenho grandes dúvidas sobre isso, porque se os economistas dizem que a Revolução Industrial destruiu muitos empregos mas criou mais, tal como as tecnologias sucessivas, a verdade é que nenhuma destas revoluções tecnológicas criou sistemas com a capacidade do ser humano».

Arlindo Oliveira, Presidente do Instituto Superior Técnico, acredita que automação ‘destruirá’ 50% dos empregos nas próximas décadas.
«Estou convencido de que a revolução tecnológica das próximas décadas vai destruir muitos empregos. Pode chegar aos 50%. Destruirá mais do que os que cria e, provavelmente, vai fazê-lo de tal maneira que uma fracção significativa da população em idade activa não terá emprego», aprofundou, traçando um cenário preocupante e perspectivando transfigurações na estrutura sócio-laboral: «A questão é se uma sociedade onde 50% das pessoas não têm emprego pode existir tal como a conhecemos agora».
Para Arlindo Oliveira, a sociedade terá de «pensar em mecanismos como o rendimento mínimo garantido universal» e «discutir o impacto das tecnologias na estrutura da sociedade, nomeadamente na estrutura do emprego». A temática mereceu também recente análise da vice-presidente da INFORM Gmbh (empresa especializada no desenvolvimento de soluções de software para a optimização do planeamento empresarial e de decisões operacionais). Eva Savelsberg, especialista Software de Optimização e Agilidade aplicado aos processos de transporte e logística, entende que a sociedade deverá acarretar com «a responsabilidade de tomar conta de todos, de tomar conta de pessoas que não se sentem tão familiarizadas com a digitalização», assim defendendo um modelo tendencialmente integracionista – «Penso que os sindicatos poderão ser convencidos de que existem programas de treino para dar a toda a gente uma chance de fazer parte do futuro», explicou à ‘Port Technology’. «Poderemos, assim, estabelecer uma nova relação de confiança, tendo a automação como meio de competitividade, e, ao mesmo tempo, possuir um sólido programa de formação de modo a que todos possam participar. Isso poderá ser benéfico para ambas as partes, permitindo que todos possam dar um passo na direcção do futuro», concluiu. Visão naive e incomportável ou será possível, no futuro, conciliar o melhor de dois mundos?