
J. Augusto Felício: «Os portos e o risco no planeamento estratégico»
Marítimo, Opinião 1 Junho, 2017 Comentários fechados em J. Augusto Felício: «Os portos e o risco no planeamento estratégico» 375
«As organizações expõem-se a diversos riscos estratégicos quando desenvolvem e implementam a sua estratégia de negócios. Destacam-se o risco estratégico, associado à estratégia do negócio e aos objectivos estratégicos, o risco financeiro, associado com a liquidez, o mercado e o crédito, e o risco operacional, que afecta essencialmente a aptidão da organização para executar o plano estratégico.»
Resumo
Este trabalho é sobre o risco no planeamento estratégico das organizações, nas quais se incluem os portos, em contexto de crescente turbulência, caracterizado pela incerteza imprevisível. A principal conclusão reside em reconhecer a importância do planeamento estratégico e a necessidade do recurso a diferentes metodologias capacitadas para projectar o futuro, nomeadamente, através, do planeamento de cenários e da prospectiva estratégica apelando à gestão do risco estratégico.
1. Introdução
O mundo em que operam as organizações tornou-se mais arriscado, volátil, incerto, complexo e ambíguo. As organizações empresariais e outras, onde se incluem os portos, confrontam-se, com desafios que colocam em causa a sua sobrevivência, devido a dificuldades em projectar o futuro, cada vez mais incerto em ambientes crescentemente turbulentos e imprevisíveis. O conhecimento e prática na aplicação da estratégia e do planeamento estratégico confrontam diferentes metodologias e ferramentas insuficientes para responder aos desafios, o que leva a introduzir, entre outros, a necessidade de gerir os riscos estratégicos. É o que se constata, com as ferramentas de planeamento estratégico mais usadas que não tomam em conta o risco. Wulf et al. (2010) consideram que a crescente turbulência ambiental tornou o planeamento estratégico cada vez mais difícil.
O planeamento estratégico, na perspectiva das escolas tradicionais, introduz rigidez no processo e conflitua com as escolas da estratégia dificultando a sua aplicação prática. Mas não tem de ser assim, considerando o recurso a outros mecanismos e metodologias, nomeadamente, a prospectiva estratégica, o planeamento de cenários e a gestão do risco estratégico. A principal contribuição reside em conferir ao planeamento estratégico a possibilidade de ajustamento sistemático e prévio recorrendo a metodologias de gestão do risco estratégico introduzido na pré-formulação da estratégia e ao longo do processo de planeamento estratégico.
2. Modelos e ferramentas de planeamento estratégico
O pensamento estratégico não é facilmente aplicado à prática, por não dispor de ferramentas e estruturas de estratégia, o que confere importância ao planeamento estratégico (formal) como uma das ferramentas de gestão (Rigby & Bilodeau, 2007). Mas há insatisfação em relação aos métodos atuais de planeamento estratégico por lhe faltar flexibilidade para responder à improvisação necessária em ambientes dinâmicos, complexos e voláteis (Ocasio & Joseph, 2008). Torna-se, por isso, necessária a flexibilidade e a abertura típicas do pensamento estratégico com os quadros claros e a orientação para a aplicação do planeamento estratégico (Whittington & Cailluet, 2008). A abordagem baseada em cenários para o planeamento estratégico pode superar o conflito entre a escola de planeamento e a escola de estratégia de processo (emergente) (Mintzberg, 1994; Whittington & Cailluet, 2008).
O planeamento estratégico visa desenvolver e coordenar estratégias de unidades de negócio. A falta de relação clara entre o planeamento estratégico e o desempenho levou a crescentes críticas à chamada escola de planeamento ou design (Mintzberg, 1994). O planeamento estratégico visa formular a “melhor” estratégia, só possível prevendo-se os desenvolvimentos futuros, o que resulta de um processo confuso, razão porque se apela ao pensamento estratégico, dirigido à síntese, envolvendo a intuição, criatividade e aprendizagem, em vez da análise. Mintzberg propõe a chamada escola de processo (emergente).
Porém, na prática, a escola de planeamento ainda desempenha papel dominante, como uma das ferramentas de gestão mais influentes. Parece, no entanto, estar quase em declínio, mas utiliza-se por possibilitar uma abordagem sistemática baseada em ferramentas para a criação de estratégias que pode ser facilmente aplicada na prática. Dada a necessidade de incorporar a criatividade e a intuição, os processos de criação de estratégias não devem focar apenas uma opção de estratégia “melhor”, mas sim considerar múltiplas opções e dessa forma ampliar as perspetivas. A criação de estratégias, que integram o planeamento e o processo da estratégia, responde às turbulências ambientais, considerando a informação de diversas fontes, utilizando várias ferramentas para a criação de um quadro estratégico e por recorrer à flexibilidade para ser melhor adaptável a diferentes condições.
As cinco forças competitivas fundamentais de Porter determinam a atractividade relativa de um sector, novos entrantes, poder de negociação dos clientes, poder negocial dos fornecedores, ameaça de produtos substitutos e rivalidade entre compradores. Esta análise permite entender as relações e as dinâmicas de um sector para que uma organização tome as decisões estratégicas a respeito da posição mais defensável e mais atraente do ponto de vista económico. A relação do planeamento estratégico com o desempenho da empresa depende da turbulência ambiental que varia constantemente, o que torna o planeamento estratégico muito difícil. Daí que Mintzberg tenha lançado as bases da escola de estratégia do processo (emergente), argumentando que as estratégias para serem bem-sucedidas não podem ser planeadas analiticamente, mas emergir de um processo que envolve criatividade, intuição e aprendizagem, o que confere importância ao pensamento estratégico.
3. Identificação do risco no planeamento estratégico
As organizações expõem-se a diversos riscos estratégicos quando desenvolvem e implementam a sua estratégia de negócios. Destacam-se o risco estratégico, associado à estratégia do negócio e aos objetivos estratégicos, o risco financeiro, associado com a liquidez, o mercado e o crédito, e o risco operacional, que afecta essencialmente a aptidão da organização para executar o plano estratégico.
O risco é a probabilidade de ocorrência de um evento desfavorável. Também é usado para descrever a probabilidade de ocorrência do evento, referindo-se a incerteza à indefinição sobre o resultado de uma situação. A medição do risco estratégico pode alavancar, dificultar ou impedir o cumprimento dos objetivos estratégicos. Porém, a gestão do risco possibilita aumentar a probabilidade de alcançar os resultados esperados.
A gestão de riscos estratégicos refere-se ao processo de identificação, avaliação e gestão de riscos e incertezas, derivados de eventos e cenários internos e externos, ao inibirem a capacidade de uma organização para realizar a sua estratégia e alcançar os objetivos estratégicos, nomeadamente, criar e proteger o valor para os acionistas e partes interessadas (Frigo & Anderson 2011). Toma-se como risco estratégico o conjunto das incertezas que afectam os objectivos do negócio da organização. Um dos métodos adoptados para tratar o risco estratégico pode basear-se em cenários, ou em abordagens analíticas em que o custo se ajusta ao risco. Uma vez que as organizações ou instituições, em especial, de grande dimensão recorrem ao planeamento estratégico, independentemente das suas dificuldades de utilização prática, acentua-se a necessidade de desenvolver esta metodologia e mecanismos, com novas abordagens (Figura 1). De entre essas abordagens destacam-se o planeamento por cenários e a gestão do risco estratégico.
Antes da formulação da estratégia para a concepção do modelo de planeamento estratéico, a gestão do risco deve avaliar os riscos pré-estratégia. Após a definição da estratégia de negócios e dos objetivos estratégicos, os riscos estratégicos devem ser avaliados, tratados, monitorados e revistos (Figura 2). Maia & Chaves (2016) propõem uma sequência de nove passos a desenvolver.
Primeiro passo: Avaliação do contexto interno e contexto externo. Identificam-se os pontos fortes, fracos, oportunidades e ameaças (análise SWOT). Podem ser usadas para aprofundar a análise o Balanced Scorecard (Kaplan & Norton) e as Cinco Forças (Porter). Kaplan (2009) reconheceu não usar a metodologia de risco para reduzir a incerteza. A medição dos riscos pré-estratégia também não se usaram para identificar as incertezas na análise SWOT.
Segundo passo: Medição do risco do negócio, através da quantificação das intensidades de impacto no negócio da organização e cálculo das probabilidades associadas. Depois de seleccionar os diversos riscos internos e externos, recorre-se à elaboração de uma escala de impacto estratégico (e.g,, nível 1 a 5). Devem considerar-se outros impactos estratégicos, como sejam, a reputação, financeiro e de conformidade. Outro fator importante é a análise da probabilidade de cada risco e a sua avaliação numa análise integrada.
Terceiro passo: Identificação dos riscos (riscos negativos) que dificultam ou impedem a realização dos objetivos estratégicos e dos riscos que representam oportunidades (riscos positivos). Após a avaliação do risco estratégico, deve decidir-se como tratar os riscos, negativos e positivos, com um critério de medida identificados através de indicadores-chave de risco.
Quarto passo: Mapeamento dos riscos estratégicos, categorizados por tópicos estratégicos, por exemplo, económicos, orçamentais ou outros, consoante a actividade da organização.
Quinto passo: Medição e validação dos riscos estratégicos. Para cada risco estratégico deve escolher-se pelo menos um nível de efeito (impacto), por exemplo, o impacto esperado e a probabilidade associada, com escalas de impacto de riscos negativos e positivos. Para medir e validar os riscos inicialmente identificados e traçar novos riscos estratégicos, é de suma importância organizar reuniões com membros do conselho de administração e / ou executivos seniores, funcionários diretamente responsáveis pela condução da estratégia da instituição. Recomenda-se que essas reuniões se baseiem nos objetivos estratégicos definidos. A técnica, a ser utilizada no processo de coleta de novos riscos, pode ser, por exemplo, a análise de cenários para cada tópico estratégico.
Sexto passo: Organização dos riscos em matrizes de efeitos / probabilidades, construídas com base nos objetivos estratégicos, determinando um perfil de risco para cada objectivo. Esta matriz visa combinar classificações qualitativas ou semi-quantitativas de efeito e a probabilidade para produzir um nível de risco ou classificação de risco. O formato da matriz e as configurações aplicadas dependem do contexto em que é usado. Obtém-se uma matriz de duplo risco (Figura 3).
Sétimo passo: Priorização das várias estratégias disponíveis para tratar os riscos negativos (Mitigar e Eliminar; Aceitar e Transferir) e os riscos positivos (Partilhar e Melhorar; Explorar e Aceitar). Quando o impacto do risco indica que a instituição está preparada, observado o efeito na estratégia da organização ao nível da missão, visão ou objetivos estratégicos, sugere-se aceitar ou transferir os riscos negativos e explorar ou aceitar os riscos positivos. Mas, quando são exigidos esforços organizacionais para enfrentar um evento negativo ou aproveitar um positivo, sugere-se mitigar ou eliminar riscos negativos e compartilhar ou melhorar os riscos positivos (Figura 4).
Oitavo passo: Elaboração da matriz de decisão constituída pela escala de alinhamento estratégico para a redução das incertezas e medição do grau de alinhamento estratégico com a probabilidade de sucesso associada, antes de implementar cada ação estratégica. Para avaliar a probabilidade de sucesso, consideram-se os riscos que podem influenciar o seu progresso, positivo ou negativo, por exemplo, a vontade política ou as limitações de recursos. O nível de probabilidade deve ser consistente com o grau escolhido de alinhamento estratégico. As ações devem organizar-se em matrizes por cada objetivo estratégico da organização (Figura 5). O principal objetivo desta ferramenta é avaliar o nível de risco de cada proposta de ação estratégica na organização.
Nono passo: Monitorização preventiva de dados associados a eventos de risco estratégico para identificar a existência de condições que possam conduzir a um evento de risco, concebendo pelo menos um indicador chave de risco para cada risco estratégico. O processo de revisão dos riscos estratégicos pode ser realizado através do estudo de tendências.
Gestão do risco
A gestão do risco empresarial é uma nova abordagem que propõe a gestão integrada de todos os riscos que uma organização enfrenta, o que exige o alinhamento da gestão de risco com a governação corporativa e a estratégia. Esta abordagem integrada além de pouco frequente não tem considerado na sua discussão a gestão da estratégia, mudança organizacional e outros tópicos relevantes, o que, além disso, não lida com os desafios culturais, logísticos e históricos que envolvem todas as organizações. É a gestão dos riscos estratégicos que integra a gestão do risco empresarial, podendo os riscos não estarem totalmente integrados no processo de planeamento estratégico, onde as decisões sobre a criação e proteção de valor se realizam. A avaliação dos riscos estratégicos é essencial sem os quais os riscos operacionais para cumprir os objectivos podem ser ignorados.
A gestão do risco estratégico refere-se aos negócios que impulsionam a deliberação e a acção sobre as incertezas e oportunidades inexploradas que afetam a estratégia da organização e a execução estratégica.
Trata-se de uma prática emergente na evolução da gestão do risco empresarial que envolve um processo sistemático para abordar as incertezas definidas no início da definição da estratégia. Por exemplo, a identificação de ameaças e oportunidades numa análise SWOT é semelhante à abordagem usada na gestão de riscos estratégicos.
No entanto, o processo SWOT não envolve a priorização sistemática ou o tratamento explícito das ameaças e oportunidades identificadas e dos pontos fortes e fracos da organização. Por sua vez, a análise SWOT pressupõe que a atividade é realizada após o processo de planeamento e execução da estratégia operacional.
Conclusões
A escola tradicional de planeamento ou design que suporta o planeamento estratégico, ao introduzir rigidez no processo não deve inviabilizar a necessidade de adequar os mecanismos, dada a necessidade das organizações projectarem o seu futuro e de realizarem esforço de conhecimento que lhes possibilita alguma orientação e controlo em antecipação das ocorrências.
A gestão do risco estratégico é uma metodologia que só agora se utiliza, necessário desenvolver nas diversas perspectivas recorrendo a variadas ferramentas de natureza qualitativa, quantitativa e semi-quantitativa. A sua utilização na elaboração da estratégia e no planeamento estratégico possibilita uma maior operacionalização prática e representa um grande avanço.